* Ecio Rodrigues
Para rebater os argumentos desfavoráveis à
manutenção dos subsídios fiscais conferidos às montadoras instaladas na Zona
Franca de Manaus, os senadores da bancada amazônica têm recorrido à alegação de
que a existência da Zona Franca é a principal razão que leva o Estado do
Amazonas a apresentar a menor taxa de desmatamento entre os estados da região.
Pela lógica parlamentar, o investimento em
indústrias de transformação (vale dizer, montadoras de eletrônicos e de
quinquilharias) reduziria a demanda pelo dinheiro destinado aos investimentos
na pecuária, atividade produtiva que é a principal responsável pela destruição
das florestas na região.
Embora difícil de explicar e de compreender,
essa relação entre a Zona Franca e o desmatamento tem sido referida com uma
constância que chega a impressionar.
A pergunta a ser feita é a seguinte: como se
concebe uma tese tão questionável?
Talvez a resposta esteja no que se denomina
“falácia”. A falácia suscitada pelos parlamentares da Amazônia consiste em
chegar a uma conclusão que não decorre necessariamente das premissas
levantadas. Ou seja, a partir de dois ou mais eventos distintos, chega-se a um
terceiro – que, todavia, não dimana dos anteriores.
É um fato que o Amazonas apresenta, desde
1988, taxas inferiores de desmatamento, quando comparado aos outros estados
amazônicos. Como também é fato que o Amazonas, devido às facilidades fiscais da
Zona Franca de Manaus, possui maior taxa de industrialização. E, finalmente, é
um fato que Acre, Amapá e Roraima, os outros estados do grupo que menos
desmata, possuem taxas de industrialização desprezíveis.
Analisando-se esses fatos sob a lógica
equivocada da falácia, pode-se chegar à construção duvidosa de que o Amazonas
possui menos desmatamento e mais industrialização, logo, a industrialização é
sustentável. Ou, de outra banda: Acre, Amapá e Roraima, como não são
industrializados, apresentam maior taxa de desmatamento que o Amazonas.
Ora, se é que existe alguma relação entre o
processo de industrialização e o investimento na pecuária e, por conseguinte,
no desmatamento, essa relação carece de evidências científicas. Existem regiões
menos industrializadas e mais desmatadas, da mesma forma que há regiões mais
industrializadas e mais desmatadas.
Basta apenas que se efetue uma análise ligeira
nos casos dos campeões em industrialização e desmatamento na região amazônica –
Pará, Mato Grosso e Rondônia – para concluir que essa relação não apresenta
nenhuma lógica científica.
Se há alguma constatação a ser feita no que
concerne às baixas taxas de desmatamento verificadas no Amazonas e à igualmente
baixa ocupação produtiva pela criação de gado é que a decisão privada pelo
investimento na pecuária envolve outras variáveis, independentemente do
processo de industrialização que esteja ocorrendo.
É bem provável que a ausência de ligação, por
meio de rodovia pavimentada, entre o Amazonas e o restante do país seja uma
variável importante para explicar por que a pecuária não avançou naquele
estado, bem como os baixos índices de desmatamento ali observados. Da mesma
forma, o acesso a mercados maiores, como ocorre no caso da pecuária paraense,
por exemplo, pode se configurar numa variável crucial para a viabilidade dessa
atividade produtiva.
Essa mesma variável, por outro lado, talvez
explique as razões pelas quais o longínquo e economicamente insignificante
Município de Boca do Acre, localizado no alto rio Purus, dispõe do maior
rebanho bovino do Amazonas. Os pecuaristas de Boca do Acre podem usar a saída
pelo Acre para negociar suas reses fora do município.
Enfim, a Zona Franca de Manaus não traz
dividendos econômicos para o país e não possui vínculo com a sustentabilidade
ecológica. Isso é fato, não falácia.
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac),
Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e
Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em
Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).
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